quinta-feira, 31 de maio de 2007

O prazer, hoje: de objetivo a obsessão

Uma das questões que sempre intrigaram os filósofos é como o homem pode viver com mais prazer. Epicuristas e hedonistas foram algumas das correntes filosóficas que se ocuparam deste tema.

A verdade é que, na sociedade ocidental contemporânea, o sentido do prazer acabou sendo transformado. Hoje não se valoriza mais tanto a espiritualidade, nem o prazer tirado do bem-estar e das coisas simples da vida. O que se tem hoje é a busca por um prazer imediato e descartável, com o qual o homem tem a mesma relação que desenvolve com os artigos que ele consome.

Esse novo prazer deve ser, antes de tudo, fácil de conseguir e desprovido de qualquer grande reflexão. Mais ainda: deve ser um prazer infalível, sem espaço para frustrações, para erros. É como se existisse uma necessidade enorme de compensar os vazios e as perdas da vida com um prazer exarcebado, que na verdade acaba sendo puro escapismo.

Os exemplos de como essa busca pelo prazer se manifesta na prática são muitos.

No campo da educação, a prática da leitura como forma de prazer, se não foi completamente abandonada, vem perdendo espaço rapidamente entre as novas gerações. Esse prazer não interessa porque não é imediato, ele demanda tempo, dedicação e entrega intelectual, que são um preço que muitos não estão dispostos a pagar. Hoje, a aquisição do conhecimento não é valorizada. Os alunos querem uma aula legal, que divirta, que seja leve. Mas nem todo conhecimento é leve, nem tudo foi feito para ser gostoso, nem todos os conteúdos são fáceis. Porém, se aquilo não dá um prazer imediato, é imediatamente descartado. Não interessa se tem qualidades ou é importante: é chato (ou seja, não rende prazer imediato).

Por essa mesma maneira, o próprio olhar sobre a arte em geral foi afetado. Um filme que faça pensar, um livro cuja mensagem requeira um mínimo de abstração, nada disso interessa nessa busca pelo prazer imediato. Quanto menos eu tiver que me esforçar para ter meu prazer, quanto menos eu tiver que pensar, melhor – prefiro que tudo já me venha mastigado pela televisão.

O consumismo é uma tentativa de aplacar uma carência interior com bens materiais que vão causar uma sensação passageira de completude, de bem-estar. Um banho de loja ou talvez um carro novo me darão um prazer que está a apenas uma transação bancária de distância. Um prazer que é notadamente individual e individualista, como é boa parte dos prazeres modernos que se busca. A propaganda, para estimular o consumo, ajuda a reforçar essa idéia de que a compra do carro novo vai trazer prazer imediato – prazer esse que já viria da compra em si, e não das aventuras que o dono fizer a bordo do seu possante.

O próprio lazer das pessoas foi comprometido por essa busca desenfreada pelo prazer. Para começar, há uma pressão imensa para que todos os finais de semana rendam prazer e fortes emoções. A sensação que você tem ao final de um domingo, quando constata que não fez algo excitante, não viu gente nova, não beijou na boca, é de derrota, isso quando não é de culpa por não ter “aproveitado da melhor maneira possível”.

E a concepção da maneira correta de “aproveitar” a vida é a mais extremada possível: o importante é conseguir o máximo de prazer, de preferência em doses cavalares. O carnaval é um exemplo: não basta conhecer alguém, beijar na boca, é preciso beijar o maior número possível de bocas e entrar numa verdadeira gincana sexual. Se eu gosto de música eletrônica, não me basta encontrar uma pista agradável onde eu seja entretido por um bom DJ por um par de horas. Eu tenho que ir a um festival que começa às 16h00 de sábado e vai até as 8h00 de domingo. E aproveitar ao máximo, freneticamente, o que eu só vou conseguir fazer se eu consumir uma quantidade considerável de drogas, que além de serem uma fonte de prazer imediato em si só, vão me dar os superpoderes necessários para eu conseguir chegar ao fim dessa maratona de intenso prazer. Afinal, isso é viver a juventude, é curtir de verdade – senão, não valeu a pena.

Até o sexo, que deveria o último refúgio dessa vida cheia de cobranças, foi comprometido pelas pressões. O sexo precisa ser potencializado imediatamente e se tornar um supersexo, que tenha seu desempenho otimizado e blindado contra erros e frustrações. Não interessa mais a beleza da descoberta, do processo de construir uma intimidade com o parceiro, em que ambos possam se conhecer, errar e acertar. Aprender o caminho das pedras dá muito trabalho, por isso eu vou comprar a revista Nova que traz um manual sobre como chegar ao orgasmo em 20 passos, basta eu seguir as instruções. O objetivo não é o sexo, e sim o orgasmo garantido. É a completa negação daquele ditado que diz que a travessia importa mais do que o destino.

A verdade é que nenhuma dessas buscas desesperadas pelo prazer é eficaz: o homem que procura um prazer imediato e infalível está apenas se enganando. A vida é cheia de nãos, de impossibilidades, de limites. É preciso saber lidar com todos eles. É deles que deriva o nosso amadurecimento e crescimento interior.

Essa é, a propósito, uma das lições que nos ensina o budismo. Ao invés de perseguir loucamente o prazer para distraí-los dos sofrimentos da vida, os budistas acreditam justamente no contrário: que é preciso viver também a dor e a frustração, sem negá-la ou varrer para baixo do tapete, para poder vencê-la e, aí sim, tornar-se uma pessoa feliz.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pô, Thiago, vc não descansa, hein! hehe. Eu já tava todo esperançoso de ver um post do Luiz falando sobre o mini de vcs... Aquele vagabundo! Aliás, levei um susto quando te vi sexta no busão. O cara apareceu do nada! hehe. Mas enfim...
Não tive a chance de ver a apresentação do grupo, mas o Luiz me deixou curioso a respeito dela. Uma propaganda daquelas!
ateh!

Anônimo disse...

É, nossa apresentação foi realmente boa, e o Thiago a sintetizou muito bem nesse blog.
Em breve postarei algo aqui, não perca as esperanças.

Anônimo disse...

Conforme o Luiz pdeiu eu vo fazer um comentário para retribuir o que ele fez no nosso blog.
eu também não vi o mini de vocês, mas me parecei que foi muito interessante pelo que o thiago escreveu e pelo o que o Luiz falou. Mas isso já era de se esperar, os integrantes do grupo de vocês além de serem muito inteligentes ainda falam super bem.
estou ansiosa pelo próximo mini de vocês, e esse eu vou assistir.

Anônimo disse...

Um excelente texto que sintetiza exatamente a situação atual da nossa sociedade imediatista...
Gostei da parte que cita o prazer intelectual e acrescento que ele não é apenas esquecido, ignorado, abandonado, mas, pior, é também RIDICULARIZADO!
Infelizmente estamos fadados à uma sociedade cada vez mais ignorante...

Espero por mais textos assim...bons para refletir!

PARABÉNS ao grupo...