segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Sobre as Relações Interpessoais no Brasil

Há uma semana, durante um seminário em sala de aula sobre revistas alemãs do século XX, o professor Carlos Costa cometeu uma atitude sobre a qual vale a pena uma pequena reflexão. Após pedir auxilio aos colegas sobre a correta pronúncia de algumas palavras francesas e alemãs, o trio de apresentadores foi severamente repreendido pelo professor de história da comunicação, que afirmou que nunca um alemão ou um francês se importaria com a correta pronúncia de uma palavra estrangeira. Disso surge a pergunta: Por que eles não se importariam e nós, por outro lado, nos importamos?
Serão eles dotados de um etnocêntrismo inexistente no Brasil? Creio que não. Toda cultura é inerentemente etnocêntrica, o que muda é o seu grau de atuação – questão de coesão. É explicito que vivemos em uma sociedade fragmentada e desconexa, separada por barreiras sociais e espaciais. Isso posto, não é difícil entender o motivo de nossa população se unir somente em eventos de interesse nacional (copa do mundo de futebol) ou em situações incertas e hostis (brasileiros que tentam a vida no exterior).
O buraco é mais embaixo. É triste ver que em nossa sociedade, a “classe alta” se sente mais próxima etnicamente e culturalmente dos europeus do que de um conterrâneo negro e de baixa renda. Essa falta de coesão e identificação nacional reflete em conseqüências políticas e sociais desanimadoras. Na esfera política, ricos criticam os programas assistencialistas voltados para os pobres, enquanto estes denominam pejorativamente movimentos que defendem uma maior ética nacional como “elitistas”.
Não obstante, e entrando na esfera social, os economicamente menos favorecidos protagonizam diariamente ações brutais não apenas para sobreviver no meio de nossa selva, mas sim para se aproximarem do status da elite criticada. Nesse ponto, os Meios de Comunicação de Massa nacionais contribuem eficazmente de forma negativa para o problema; seja por meio de revistas tendenciosas que fragmentam a população brasileira em “classes” ou através das emissoras nacionais, que vendem através de suas telenovelas um padrão de vida luxuoso e ostensivo totalmente antagônico ao da grande maioria da população como modelo de felicidade a ser seguido pelo telespectador.
Os principais grupos segregados, por não verem preconceito real e explicito (na maioria dos casos), acabam não se unindo e tentam uma ascensão social unilateral e individual (diferentemente, por exemplo, dos EUA). Assim, vêem no embranquecimento uma alternativa eficiente de se livrarem do preconceito e elevarem seu status social. [tal assunto é complexamente abordado em Preconceito de Marca, Oracy Nogueira, Editora USP, 1998].
“Jede Für Sich und Gott Gegen Alle”(Cada um Por Si e Deus Contra Todos), esse filme de Herzog nada tem a ver com a sociedade brasileira, mas se dependesse do título o retrato já seria fiel. Talvez uma luz no fim do túnel seja vista através da busca dos elementos e raízes que nos tornam partes de uma mesma cultura e nação.
Sobre esta perspectiva, a intervenção de nosso professor pode ter significado muito mais que a petulância de um profissional dedicado.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Os limites da autônomia e legitimidade do livre arbítrio

Hoje o grupo Douta Ignorância apresentou seu mini seminário, cujo tema foi o livre arbítrio. Primeiramente o grupo definiu o termo como a “possibilidade de decidir e escolher em função da própria vontade”. O mito de adão e Eva foi logo abordado pelo grupo como representação do uso do livre arbítrio. Nessa mesma abordagem, a religião foi citada como ameaça ao livre arbítrio por bi polarizar as escolhas disponíveis (crença-céu, ceticismo-inferno) e reduzir as mesmas à inevitabilidade do destino, já traçado e definido por ela antes mesmo de o individuo nascer.
O grupo valeu-se da visão de Nietsche, de que o livre arbítrio “só existe para colocar a responsabilidade dos atos em cima das pessoas, sejam eles bons ou ruins”, para expandir a visão sobre o tema. O grupo fechou o mini seminário com uma pequena discussão com a classe. O tema escolhido pelo grupo Douta Ignorância foi bastante interessante e criativo. Entretanto, o assunto poderia ter sido abordado sobre uma perspectiva mais atual e complexa. Mesmo quando a fé esta presente, a religião, assim como a ciência ou as artes, não influencia no livre arbítrio do individuo, pois este tem a escolha de contestá-la ou não, assim como a possibilidade de aderir ou não às suas idéias e dogmas. A maneira como o grupo abordou a religião poderia ter sido limitada ao espaço temporal da Idade Média, no máximo, em que a crença sobre a mesma era imposta unilateralmente.
Ratificando a minha avaliação inicial, o grupo poderia ter abordado o livre arbítrio baseando-se no mundo contemporâneo e relacioná-lo quanto a sua influência nas esferas política, econômica e cotidiana atuais. O livre arbítrio existe atualmente? Será que ele algum dia existiu? Até onde vão os limites da liberdade de escolha?
Bala perdida, escândalos de corrupção, caos aéreo, altruísmo transformado em anarquismo na faculdade mais importante do país, trânsitos inacabáveis, violência e perigo constantes, pressões financeiras e estéticas... Há mais de duas décadas o Brasil voltou a ser democrático, deveríamos estar felizes de exercer nossa escolha lucidamente? Provavelmente não, a obrigatoriedade eleitoral contradiz a definição inicial de escolha “baseada na própria vontade” e faz perpetuar a saga de políticos incompetentes no país eleitos pela denominação de menos pior. O movimento “cansei”, liderado pela OAB, parece refletir esse sentimento de impotencialidade e inutilidade ao qual nos encontramos quando abrimos o jornal todas as manhãs e nos defrontamos com mais um escândalo, tragédia ou catástrofe.
Quais são então os limites que o estado instaura no livre arbítrio? Será a abdicação do livre arbítrio um pressuposto para uma vida harmoniosa em sociedade? Hobbes e seu “contrato social” poderiam ser oportunamente citados, mas continuemos.
Com a ascensão burguesa no século 19, a idéia de livre arbítrio, ou seja, a possibilidade de livre escolha, está cada vez mais relacionada às praticas e trocas monetárias, assim como aos meios de atingir o maior numero possível de capital. As relações interpessoais atuais se transformam gradativamente em trocas comercias impessoais. O livre arbítrio de ir e vir deu lugar e se reduziu ao objetivo comum de sobreviver através de um bem comum e intransferível: o capital. O trabalho, considerado há 2 mil anos como ônus relegado a escravos, hoje é condição sine qua non para a sobrevivência de qualquer homem inserido numa sociedade capitalista e globalizada.
Dessa forma, o livre arbítrio se insere num espaço limitado entre a autonomia do homem de agir sobre si mesmo e a impotencialidade do mesmo frente às regras e leis que regem uma vida em sociedade.
Sem mas considerações, parabéns ao grupo Douta Ignorância pela escolha do tema.

domingo, 24 de junho de 2007

Utopia

Nesta última quinta-feira (21/06), o grupo 2 - O Olho do Tigre apresentou o seu seminário referente ao livro Utopia, de Thomas More.
O grupo fez uma apresentação em torno da palavra: a definição, a geografia, e dentre outras coisas, a opinião das pessoas, o que foi o ponto alto do trabalho, com a declaração de uma servente da faculdade sobre o tema, que sensibilizou a todos.
Apresentação muito boa, discussão idem. Valeu a pena ver.

sábado, 16 de junho de 2007

Superestímulos

Hoje o nosso querido professor Liráucio, de Sociologia, chamou a atenção para, dentre vários temas, o imediatismo e o superestímulo da vida moderna. O fato de você ter muitas coisas, muitas pessoas, muitas direções para ver, e no final não se dedicar de fato a nenhuma delas, ou se dedicar com pouca ênfase nisso.

Engraçado, no momento em que ele falou isso, eu me lembrei dessa situação do metrô ocorrida hoje. Eu não estava nela, nem nunca vivi algo parecido, mas já vivenciei vagões completamente lotados, a ponto de não poder (ou precisar) se segurar com a velocidade do metrô, porque os outros passageiros estavam completamente colados uns aos outros, e eu não pude nem mesmo levantar o braço.

Mas o engraçado dessa situação é que eu, paraplégico em pé, comecei a ler um banner, nem me lembro do quê (pelo jeito, pouco importante), mas pensei em cerca de três linhas por uns 20 minutos, tanto que, vindo da estação Sumaré, fui parar na estação Paraíso, só por causa da multidão que sempre desce lá, sendo que deveria ter descido na estação Trianon.

E aí me lembrei da aula. E pensei: o que falta para a gente prestar a atenção devida nas coisas, por mais banais que sejam? Nas estações anteriores eu poderia ter sido assaltado, empurrado, pisoteado.
Mas não fui.

Vale a pena pensar um pouco mais nas coisas, não deixar tudo passar tão batido. Esse esforço parece que nos é permitido, basta só querer.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

O prazer, hoje: de objetivo a obsessão

Uma das questões que sempre intrigaram os filósofos é como o homem pode viver com mais prazer. Epicuristas e hedonistas foram algumas das correntes filosóficas que se ocuparam deste tema.

A verdade é que, na sociedade ocidental contemporânea, o sentido do prazer acabou sendo transformado. Hoje não se valoriza mais tanto a espiritualidade, nem o prazer tirado do bem-estar e das coisas simples da vida. O que se tem hoje é a busca por um prazer imediato e descartável, com o qual o homem tem a mesma relação que desenvolve com os artigos que ele consome.

Esse novo prazer deve ser, antes de tudo, fácil de conseguir e desprovido de qualquer grande reflexão. Mais ainda: deve ser um prazer infalível, sem espaço para frustrações, para erros. É como se existisse uma necessidade enorme de compensar os vazios e as perdas da vida com um prazer exarcebado, que na verdade acaba sendo puro escapismo.

Os exemplos de como essa busca pelo prazer se manifesta na prática são muitos.

No campo da educação, a prática da leitura como forma de prazer, se não foi completamente abandonada, vem perdendo espaço rapidamente entre as novas gerações. Esse prazer não interessa porque não é imediato, ele demanda tempo, dedicação e entrega intelectual, que são um preço que muitos não estão dispostos a pagar. Hoje, a aquisição do conhecimento não é valorizada. Os alunos querem uma aula legal, que divirta, que seja leve. Mas nem todo conhecimento é leve, nem tudo foi feito para ser gostoso, nem todos os conteúdos são fáceis. Porém, se aquilo não dá um prazer imediato, é imediatamente descartado. Não interessa se tem qualidades ou é importante: é chato (ou seja, não rende prazer imediato).

Por essa mesma maneira, o próprio olhar sobre a arte em geral foi afetado. Um filme que faça pensar, um livro cuja mensagem requeira um mínimo de abstração, nada disso interessa nessa busca pelo prazer imediato. Quanto menos eu tiver que me esforçar para ter meu prazer, quanto menos eu tiver que pensar, melhor – prefiro que tudo já me venha mastigado pela televisão.

O consumismo é uma tentativa de aplacar uma carência interior com bens materiais que vão causar uma sensação passageira de completude, de bem-estar. Um banho de loja ou talvez um carro novo me darão um prazer que está a apenas uma transação bancária de distância. Um prazer que é notadamente individual e individualista, como é boa parte dos prazeres modernos que se busca. A propaganda, para estimular o consumo, ajuda a reforçar essa idéia de que a compra do carro novo vai trazer prazer imediato – prazer esse que já viria da compra em si, e não das aventuras que o dono fizer a bordo do seu possante.

O próprio lazer das pessoas foi comprometido por essa busca desenfreada pelo prazer. Para começar, há uma pressão imensa para que todos os finais de semana rendam prazer e fortes emoções. A sensação que você tem ao final de um domingo, quando constata que não fez algo excitante, não viu gente nova, não beijou na boca, é de derrota, isso quando não é de culpa por não ter “aproveitado da melhor maneira possível”.

E a concepção da maneira correta de “aproveitar” a vida é a mais extremada possível: o importante é conseguir o máximo de prazer, de preferência em doses cavalares. O carnaval é um exemplo: não basta conhecer alguém, beijar na boca, é preciso beijar o maior número possível de bocas e entrar numa verdadeira gincana sexual. Se eu gosto de música eletrônica, não me basta encontrar uma pista agradável onde eu seja entretido por um bom DJ por um par de horas. Eu tenho que ir a um festival que começa às 16h00 de sábado e vai até as 8h00 de domingo. E aproveitar ao máximo, freneticamente, o que eu só vou conseguir fazer se eu consumir uma quantidade considerável de drogas, que além de serem uma fonte de prazer imediato em si só, vão me dar os superpoderes necessários para eu conseguir chegar ao fim dessa maratona de intenso prazer. Afinal, isso é viver a juventude, é curtir de verdade – senão, não valeu a pena.

Até o sexo, que deveria o último refúgio dessa vida cheia de cobranças, foi comprometido pelas pressões. O sexo precisa ser potencializado imediatamente e se tornar um supersexo, que tenha seu desempenho otimizado e blindado contra erros e frustrações. Não interessa mais a beleza da descoberta, do processo de construir uma intimidade com o parceiro, em que ambos possam se conhecer, errar e acertar. Aprender o caminho das pedras dá muito trabalho, por isso eu vou comprar a revista Nova que traz um manual sobre como chegar ao orgasmo em 20 passos, basta eu seguir as instruções. O objetivo não é o sexo, e sim o orgasmo garantido. É a completa negação daquele ditado que diz que a travessia importa mais do que o destino.

A verdade é que nenhuma dessas buscas desesperadas pelo prazer é eficaz: o homem que procura um prazer imediato e infalível está apenas se enganando. A vida é cheia de nãos, de impossibilidades, de limites. É preciso saber lidar com todos eles. É deles que deriva o nosso amadurecimento e crescimento interior.

Essa é, a propósito, uma das lições que nos ensina o budismo. Ao invés de perseguir loucamente o prazer para distraí-los dos sofrimentos da vida, os budistas acreditam justamente no contrário: que é preciso viver também a dor e a frustração, sem negá-la ou varrer para baixo do tapete, para poder vencê-la e, aí sim, tornar-se uma pessoa feliz.

domingo, 27 de maio de 2007

O prazer!

Faltam apenas quatro dias para a apresentação do nosso mini-seminário do bimestre. E o tema que escolhemos promete dar pano para manga: o prazer.

A preocupação com o prazer já vem de outras eras. Filósofos de diversas correntes sempre se depararam com essa questão: como é possível ter prazer? A busca pelo prazer sempre moveu os esforços deste bicho movido a recompensas que é o homem.

Nos tempos modernos, porém, mudaram não só os prazeres valorizados pelas pessoas, como também o próprio papel que o prazer passou a ter nas suas vidas. Nesta quinta-feira, vamos falar sobre essa nova busca e também sobre sexo, diversão, drogas, consumo, televisão, educação, carnaval e, é claro, filosofia. Nos vemos lá!

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Cartesius discute padrões de beleza femininos

Nossos colegas do grupo Cartesius apresentaram ontem seu mini-seminário do bimestre. O tema que eles tomaram para si era ligado à discussão dos padrões de beleza impostos às mulheres ao longo dos anos.

A exposição começou com uma retrospectiva, em slides eletrônicos, dos padrões de beleza vigentes ao longo dos tempos. Comentou, por exemplo, que durante o Renascimento as mulheres valorizadas eram as mais rechonchudas, cujas curvas sugeriam boa nutrição numa época de escassez de alimentos; lembrou dos cruéis espartilhos que esmagavam as cinturinhas das donzelas; mostrou os vestidos andróginos das divas hollywoodianas dos anos 20; e, como não poderia deixar de ser, citou modelos que brilharam nas passarelas mundiais, desde a magrela Twiggy, nos anos 60, até as estrelas Cindy Crawford, Kate Moss e Gisele Bündchen.

A seguir, o grupo explicou que os padrões de beleza são internalizados pelas pessoas na infância. Nesse contexto entram as célebres bonecas Barbie e Suzy e os próprios desenhos animados, que mostram os mocinhos dentro dos ideais de beleza vigentes e os vilões fora desses padrões - portanto, "feios".

Essa mensagem subliminar, que liga beleza a virtude, já estava contida no primeiro modelo de beleza, de Pitágoras, para quem o belo era justo e bom. Já Platão discordava desse conceito, lembrando que a beleza era enganadora - vide os sofistas, que seduziam com seus belos discursos falsos.

O grupo ensinou que cada um de nós tem uma relação pessoal com os objetos e as pessoas, permeada pelos valores estéticos que trazemos conosco. Cálculos são belos para matemáticos, enquanto textos encantam jornalistas. Quando existe essa identificação entre o objeto e as referências que nos apetecem, temos uma experiência estética; quando essa relação não existe, nosso contato com o objeto ou a pessoa deixa de ser prazeroso.

Outro assunto tratado na exposição do Cartesius foi a exploração da beleza pela mídia, seja nas capas de revistas que distorcem a real beleza de suas protagonistas, seja nos reality shows que exploram a sensualidade dos participantes, seja nas passarelas que impõem medidas corporais cruéis às modelos que nelas desfilam.

De fato, cada época tem seus padrões de beleza e, estando imersos naqueles que vigem no nosso tempo, acabamos vendo com estranheza os que eram impostos no passado. O espartilho que oprimia as donzelas nos parece uma aberração - mas quem dirá que, daqui a cem anos, esse mesmo olhar de perplexidade não será dirigido às mulheres de 2007, que abusam de drogas inibidoras de apetite, recorrem a dietas que prometem milagres e desfiguram seus rostos e corpos nas mesas de cirurgiões plásticos?